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SOMOS ESCRAVOS CANSADOS NUMA CULTURA DE POSITIVIDADE

Enfim, mais uma vez subjugados: as pessoas transformaram-se em escravos cansados numa cultura de positividade!

Ao assistir uma palestra sobre como arquitetamos as formas de viver, fiz um comentário de que necessitamos sempre pensar em soluções não apenas de abrangência social como também de âmbito psicológico para que o ser humano tenha uma melhor qualidade e possibilidade de reação. Ao término da palestra, “meu Sensei” falou, num misto de vibração, energia e determinação, que estamos vivendo a “sociedade do cansaço” e que era importante que eu lesse a tese do filósofo coreano Byung-Chul Han sobre isso para pensar nas soluções as quais me referi. Bem, como obediente aprendiz, fiz isso e aqui quero apresentar algumas conclusões a respeito, agradecendo ao Sensei Prof. e Irmão Ricardo Mário Gonçalves por mais essa orientação.
Vivemos em uma era de exaustão e fadiga, causada por uma incessante compulsão em executar. Esse é um dos pontos centrais da “Sociedade do Cansaço”. Metaforicamente, pode-se dizer que o século XX foi uma era "imunológica". Cabe essa expressão porque infecções por vírus e bactérias que provocaram respostas imunes estavam entre as principais causas de doenças e morte e porque o surgimento de vacinas e antibióticos ajudou a vencer essas ameaças. Mas essa metáfora pode ser estendida a eventos políticos e sociai: assim como o sistema imunológico reconhece bactérias e vírus como "estranhos" que precisam ser eliminados para proteger o "eu", as guerras mundiais e a guerra fria também foram caracterizadas por uma definição clara de "nós" versus "eles". O século XXI, por outro lado, é uma era "psicológica / mental" caracterizada por doenças como depressão, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), síndrome de Burnout, transtorno de personalidade limítrofe e outras. Diferentemente das doenças da era imunológica - onde havia uma clara distinção entre os micróbios inimigos (os estranhos) que precisavam ser eliminados e o eu - essas doenças da psique dificultam a atribuição de um status inimigo. Quem são os "inimigos" da síndrome de burnout ou da depressão? O nosso ambiente? Os nossos empregadores? As nossas próprias decisões e escolhas de vida? Estamos em guerra conosco nessas condições "psicológicas / mentais"? Segundo Byung-Chul Han, essa mudança nas doenças é refletida por uma mudança política de um mundo globalizado, onde é cada vez mais difícil definir o "eu" e o "outro / estranho". Podemos tentar atribuir um status de “mocinho” e “bandido” para navegar no século XXI, mas temos que aceitar que estamos tão interconectados que essas abordagens do século XX não são mais aplicáveis.
É verdade que o combate bem-sucedido contra as doenças infecciosas é uma das grandes vitórias na área da saúde no século XX, mas essas batalhas estão longe de terminar. O recente medo do vírus Ebola, a persistência da resistência à malária, o insuficiente tratamento do HIV e o surgimento de bactérias resistentes a vários medicamentos indicam que a imunologia e as doenças infecciosas desempenharão papéis centrais nas pesquisas biomédicas do século XXI. A visão de que o sistema imunológico claramente distingue entre "eu" e "estranho" também é excessivamente simplista porque ignora que doenças autoimunes - muitas das quais estão em ascensão e para as quais ainda temos opções de tratamento muito limitadas - são exemplos imunológicos de onde o "eu" se destrói. Embora a neuropsicologia  (ou neurociência)  venha a ser, provavelmente, o foco da pesquisa biomédica, parece uma escolha estranha selecionar algumas doenças psiquiátricas como representando o século XXI, ignorando doenças neurodegenerativas importantes como demência de Alzheimer, derrame ou Parkinson. Ele também confunde doenças psiquiátricas específicas com o aumento generalizado da fadiga e exaustão percebidas.
Ainda sobre o século XXI, a razão pela qual tantas vezes nos sentimos exaustos e cansados ​​é porque estamos cercados por uma cultura de positividade. No trabalho, assistindo TV em casa ou navegando na Internet, somos inundados por mensagens não tão sutis do que podemos fazer. Por exemplo, lembremo-nos do slogan "Sim, podemos" (Yes, we can) da campanha presidencial de Obama nos EUA. A expressão "Sim, podemos" exala positividade, sugerindo que tudo o que precisamos fazer é nos esforçarmos mais e que pode não haver limites para o que queremos alcançar. O mesmo se aplica ao slogan da Nike “Just Do It” (em tradução livre, “simplesmente faça”) e aos milhares de livros de autoajuda publicados a cada ano, que reforçam o imperativo de pensamento positivo e ações positivas.
Sobre o pensamento de Byung-Chul Han, para mim ficou claro que aqui está o cerne da tese de Han: "Sim, podemos" soa como um slogan “empoderador”, indicando nossa liberdade e potencial ilimitado. Mas essa é uma liberdade ilusória, porque a mensagem incluída em "Sim, podemos" é "Sim, devemos". Em vez de viver em uma sociedade disciplinar do passado, onde nosso comportamento era claramente regulado por proibições e mandamentos da sociedade, agora vivemos em uma sociedade da conquista na qual sucumbimos voluntariamente à pressão de sermos sempre conquistadores e vencedores. A sociedade da conquista não é menos restritiva que a sociedade disciplinar. Não estamos mais sujeitos a proibições que vem de fora de cada um de nós, mas internalizamos os mandatos de conquista, sempre nos esforçando para fazer mais. Nós nos tornamos escravos da cultura da positividade, subjugados pelo imperativo "Sim, deveríamos". Em vez de considerar cuidadosamente se devemos ou não buscar uma meta, o mero conhecimento de que poderíamos alcançá-la nos obriga a lutar por essa meta. A adoção da cultura "Sim, podemos" acorrenta-nos a uma vida de auto-exploração e tornamo-nos cegos pela paixão e pela determinação... até entrarmos em colapso! Han usa a triste expressão “exaustão, fadiga e asfixia" para descrever o impacto que um excesso de positividade tem, uma vez que renunciamos à nossa capacidade de dizer "não" às demandas da sociedade por conquistas. Continuamos até nossas mentes e corpos se exaurirem e “encolherem” e é por isso que vivemos em um estado contínuo de exaustão e fadiga. O multitarefismo não é um sinal de progresso civilizacional; é, na verdade, um indicador de regressão, pois resulta em um estado de atenção amplo, mas bastante superficial, e, portanto, impede a verdadeira contemplação da vida.
Pensemos nesse conceito no ambiente de trabalho. Os trabalhadores, com uma atitude de "poder fazer", são elogiados, mas não há uma placa enaltecendo e comemorando a atitude de "poder contemplar" dos funcionários. Em uma sociedade de realizações, os empregadores não precisam mais nos explorar porque assumimos voluntariamente mais e mais tarefas para provar nossa própria autoestima.
Isso faz lembrar Bertrand Russell (em Um Elogio da Ociosidade), no qual ele propõe a redução da carga de trabalho para apenas quatro horas por dia: num mundo em que ninguém é obrigado a trabalhar mais de quatro horas por dia, todas as pessoas que possuem curiosidade científica poderão satisfazê-la, e todo pintor poderá pintar sem passar fome, quaisquer que sejam os seus quadros. Os jovens escritores não serão obrigados a chamar a atenção para si mesmos com o objetivo de adquirir a independência econômica necessária para obras monumentais, pelas quais, quando chegar a hora, perderão o gosto e a capacidade. Homens que, em seu trabalho profissional, se interessaram por alguma fase da economia ou do governo, serão capazes de desenvolver suas idéias sem o distanciamento acadêmico que faz com que o trabalho dos economistas universitários pareça frequentemente inexistente. Os médicos terão tempo para aprender sobre o progresso da medicina; os professores não terão muita dificuldade para ensinar, por métodos rotineiros, coisas que aprenderam em sua juventude, que podem, no intervalo, provar ser falsas. Acima de tudo, haverá felicidade e alegria de viver, em vez de nervos desgastados, cansaço e gastrite. O trabalho exigido será suficiente para se tornar um lazer
agradável, mas não o suficiente para produzir exaustão. Como os homens não se cansam no tempo livre, eles não exigem apenas divertimentos passivos e insípidos. Provavelmente pelo menos um por cento dedicará o tempo não gasto em trabalho profissional a atividades de alguma importância pública e, como não dependerão dessas atividades para sua subsistência, sua originalidade não será impedida e não haverá necessidade de se adequar aos padrões estabelecidos por especialistas idosos. Mas não é apenas nesses casos excepcionais que as vantagens do lazer aparecerão. Homens e mulheres comuns, tendo a oportunidade de uma vida feliz, tornar-se-ão mais gentis, menos perseguidores e menos inclinados a ver os outros como suspeitos.
Enquanto Russell propõe a redução das horas de trabalho como uma solução, a crítica de Byung-Chul Han à sociedade de realizações, seu impacto na fadiga e mal-estar generalizados não se limita ao nosso local de trabalho. Ao aceitar o mandato de conquista e hiperatividade contínuas, aplicamos essa abordagem também ao nosso tempo de lazer. Seja contando os passos que seguimos com nossos rastreadores de atividades físicas ou acumulando visitas de museus como turistas de forma competitiva, nossa obsessão por conquistas permeia todos os aspectos de nossas vidas.
Existe uma saída para este ciclo vicioso de excesso de positividade e exaustão persistente?
Sim!, precisamos estar atentos ao nosso direito de recusar. Em vez de acumular tarefas para nós mesmos durante o trabalho e o lazer, precisamos reconhecer o valor e a força de dizer "não". A solução talvez seja aceitar as formas de geração de cansaço consequentes das oportunidades de descanso e regeneração. Os dias de fim de semana podem ser vistos como dias reservados para tarefas domésticas e de lazer que não podemos realizar durante os dias de trabalho regulares. Ressuscitando o fim de semana como tempo para descanso, ociosidade e contemplação, podemos escapar do ciclo de exaustão. Em adição, penso que será imprescindível que as pessoas saiam do sobreviver histérico e deixem de ser zumbis do desempenho, da cirurgia plástica e do botox. Viver o belo real e autêntico é viver o sagrado que há em cada um de nós, uma experiencia que nos remete a uma condição em que podíamos ver a vida como uma festa com e para os Deuses. A mudança é dramática porém fundamental: temos que desacelerar! E nesse sentido, permito-me ser bastante simplista nessas sugestões finais:
Tenha uma orientação filosófica em sua vida: as pessoas são bem sucedidas (verdadeiramente) na vida, não devido ao seu comportamento ajustado à sociedade neoliberal - muito pelo contrário! Um princípio fundamental e que nunca deveria ser esquecido é que o impulso da energia criativa será sempre enfraquecida pela execução repetitiva, inconsciente e compulsiva. O impulso da vida com felicidade não precisa ter um ritmo frenético para adquirir mais coisas no menor tempo possível: é saber lidar com o tempo com um calendário e não controlá-lo com um cronômetro.
Mude o padrão de seu comportamento: nunca é tarde para se mudar um estilo de vida. Muitos indivíduos vacilam ao começarem a mudar seus padrões de comportamento, não por acharem impossível a tarefa, mas por temerem que, sem este padrão, encontrarão a ruína econômica e profissional. Este medo, contudo, é absurdo e desnecessário.
Reavalie a sua autoestima: para se alcançar um estado de calma e serenidade é necessário, ao indivíduo acometido pela busca incessante de novas conquistas, efetuar uma acurada autoavaliação de suas capacidades e deficiências como indivíduos.
Recupere sua personalidade global: antes de mais nada, é preciso uma profunda reflexão. Reserve algumas horas do dia para atividades que nada tenham a ver com sua vocação normal, amplie suas esferas de interesses e prazer, seus horizontes culturais e intelectuais. Além disso, abra-se o máximo possível a novas amizades, principalmente a aquelas que reforçarem seus novos interesses. Viva e aproveite os momentos de prazer, enquanto estes estiverem ocorrendo. Depois guarde-os mentalmente e procure lembrar-se deles nas horas vagas. Em resumo, introduza um elemento de imprevisibilidade em sua vida.
Estabeleça objetivos para a vida: de um modo geral, estabeleça dois grupos de objetivos. O primeiro, seus objetivos profissionais. O segundo, os que deseja realizar em sua vida particular. Estes últimos são responsáveis não somente para dar significação e prazer, mas também para impedí-lo a ter uma hiperatividade sem controle, na vida profissional.
Entre mais em contato com o mito, o rito e a tradição: é importante tentar resgatar o prazer e a alegria existente em reuniões de família, datas de comemorações, em pequenos atos como ir ao teatro com amigos, comemorações anuais diversas, etc. É muito comum em pessoas da sociedade do cansaço ficarem irritados em tais ocasiões, por as considerarem uma perda de tempo. Mas não se sinta obrigado a participar de tudo.
Deixe os meios justificarem o fim: não pense que todo o seu esforço e trabalho será recompensado no “fim” de sua vida. Ao contrário, é importante viver e tentar sentir prazer nas pequenas coisas cotidianas, mesmo que elas possam num primeiro instante, parecer ridículas.
Cure-se da “Doença da Pressa”: em primeiro lugar, é importante revisar o programa diário de atividades, com a finalidade de se eliminar todos os eventos e atividades possíveis que não contribuam diretamente para seu bem-estar. Além disso, aumente em alguns minutos, os pequenos hábitos do dia-a-dia: tomar café, o almoço, etc.
Procure estar só: para começar a pensar, meditar e filosofar de maneira diferente, é necessário estar só, sem interferência da família, amigos, telefone, etc. Procure organizar melhor, e diminuir o rítmo de suas tarefas, deixando assim algum tempo para estar só, o que certamente ajudá-lo-á na sua autoanálise.
Reestruture-se para atingir algo “Digno de Ser”: é importante manter-se livre de opiniões pré-concebidas; julgue-as quando muito, como sendo provisoriamente corretas. Examine-as criticamente, e não se envergonhe em abandoná-las caso venham a ser comprovadamente falsas ou se não lhe dizem respeito. Consolide amizades e conhecimentos, principalmente extra-trabalho. Guarde algum tempo para leituras, idas ao cinema, teatro, etc., além de tempo para recordar-se de momentos de prazer no passado.
Enfim, é mister que seja realizada uma revisão do modo de viver. Temos que saber e poder dar um passo atrás e praticar o "não fazer". O conceito de "não fazer" se assemelha a elementos do taoísmo e da atenção plena, na medida em que enfatiza que não precisamos fazer coisas constantemente. Em vez disso, o “não fazer” permite que as coisas se desenvolvam no seu próprio ritmo. Num mundo em que pausas e pausas são cada vez mais curtas, se houver, precisamos considerar a importância de recuar e a necessidade de desenvolver a capacidade de resistir à multidão de atrações disponíveis. Somente quando admitimos a importância da perspectiva, do tédio e da capacidade de rejeitar essas muitas atrações que o mundo moderno oferece é que poderemos desfrutar de um cansaço bem merecido, em vez de uma fadiga exaustiva. Enfim, temos que aprender a “não fazer” num mundo obcecado por “fazer” e ser economicamente produtivo.
Espero que tenha gostado desse artigo. Há vários outros artigos no Blog do Psicólogo (www.blogdopsicologo.com.br) - acesse-os! CLIQUE AQUI para ler sobre a ansiedade e a depressão nos trabalhadores.
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Um abraço,
Psicólogo Paulo Cesar
Psicoterapeuta de adolescentes, adultos e casais. Psicólogo de linha humanista com acentuada orientação junguiana e budista. Palestrante sobre temas ligados ao comportamento humano no ambiente social e empresarial.
Consultório próximo à estação de metrô Vila Mariana. Atendimento de segunda-feira aos sábados. Marcação de consultas pelo Cel. / Whatsapp 11.94111-3637



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