O curioso é que, apesar de parecer
inofensiva, a procrastinação raramente é apenas uma questão de organização ou
disciplina. Ela tem raízes mais profundas, afetivas e subjetivas, e pode se
tornar um peso silencioso que corrói por dentro.
É comum associar o ato de procrastinar à preguiça ou falta de força de vontade. Mas, na verdade, a procrastinação frequentemente funciona como um mecanismo de defesa: ela nos protege, de forma disfarçada, de algo que nos gera ansiedade, frustração ou medo. Muitas vezes, o que está em jogo não é a tarefa em si, mas o que ela simboliza emocionalmente. Por trás da hesitação, pode haver o medo de fracassar, o receio de ser julgado, a sensação de não estar à altura, ou até mesmo uma forma inconsciente de rebeldia diante de exigências externas. Outras vezes, há uma sensação de vazio e desconexão — como se aquilo que se está adiando simplesmente não fizesse sentido algum.
Procrastinar, então, não é um ato de desleixo, mas de conflito interno. E ele se expressa em pequenos gestos cotidianos: uma gaveta organizada em vez de um relatório iniciado, uma maratona de vídeos no lugar de um compromisso enfrentado, uma sequência de desculpas mentais que, no fundo, só revelam o quanto a pessoa está em sofrimento. Quando isso se torna hábito, o impacto emocional é devastador.
A procrastinação constante alimenta a culpa, fragiliza a autoestima, gera ansiedade e enfraquece a confiança em si mesmo. A pessoa passa a duvidar da própria capacidade de realizar, de sustentar compromissos, de se mover na direção do que deseja — e, com o tempo, começa a se identificar com esse sentimento de incapacidade.
O ciclo é cruel: quanto mais se adia, maior a tensão, maior a autocrítica, maior o mal-estar. E quanto mais intensa essa espiral, mais difícil se torna romper com ela. O tempo parece escapar entre os dedos e, junto dele, escapa também a sensação de autonomia, de autoria sobre a própria vida.
Por isso, a superação da procrastinação não passa apenas por técnicas de produtividade ou agendas bem planejadas. Essas ferramentas podem ser úteis, claro, mas sozinhas não alcançam o cerne da questão.
O processo mais profundo envolve acolher as emoções que estão por trás do adiamento. É necessário reconhecer o medo de errar, de decepcionar, de não ser aceito. É preciso confrontar a vergonha, abrir espaço para a vulnerabilidade, trabalhar a autocompaixão. E, acima de tudo, é importante resgatar o valor da ação imperfeita: começar, mesmo com dúvidas; fazer, mesmo sem inspiração; caminhar, mesmo que devagar.
Há um ponto de virada no tratamento da procrastinação que começa quando o sujeito compreende que não precisa esperar motivação para agir. A motivação, muitas vezes, nasce da ação — e não o contrário. Um pequeno movimento já é suficiente para interromper o ciclo, quebrar a rigidez da espera, reconectar-se com o presente. Nesse processo, o papel da psicoterapia é fundamental. Um espaço terapêutico acolhedor e livre de julgamentos permite que a pessoa compreenda seus bloqueios sem culpa, reformule suas crenças limitantes, reconheça seus potenciais adormecidos e se reencontre com sua própria capacidade de escolha.
Procrastinar é humano. Mas viver em constante adiamento é uma forma silenciosa de se abandonar. E ninguém merece viver assim. O tempo não para — mas nós podemos parar por um instante, olhar com mais cuidado para o que temos evitado, e dar um primeiro passo. Talvez ele não leve imediatamente ao destino final, mas certamente nos afasta da inércia. E isso já é uma forma de libertação.
Se esse texto lhe tocou, talvez esteja na hora de se olhar com mais carinho. A procrastinação, quando acolhida com consciência, pode se tornar uma oportunidade de reencontro com o sentido da ação e com o valor de ser quem se é — mesmo imperfeito, mesmo inseguro, mesmo em processo.
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Um abraço,
Psicólogo Paulo Cesar T. Ribeiro
- Psicoterapeuta
de adolescentes, adultos, casais e gestantes – Presencial e Online.
- Psicólogo
Orientador Parental
- Psicólogo clínico
de linha humanista existencial e de orientação das Psicologias Analítica
(Carl Jung), Relacional e Budista.
- Extensão e
Certificação em Filosofia & Meditação (PUCRS), Certificação em Racismo
e Psicanálise (Achille Mbembe), Pós-graduações em Sexualidade Humana,
Autismo (Famart) e Psicologia Clínica (PUCRS).
- Associado à
ABRAP, SBRA e ABRA.
- Colaborador do
HSPMAIS – Saúde Suplementar e de Apoio à Pesquisa Clínica (Serviço de
Reprodução Humana da Escola Paulista de Medicina).
- Palestrante
sobre temas ligados ao comportamento humano no ambiente social e
empresarial.
- Contatos: www.psipaulocesar.psc.br