4.1 - Diz o Filho: “Eu não Sou Mais Uma Criança”
Pai, mãe, eu sei que pra vocês é difícil. Ainda lembram de mim correndo pela casa com brinquedos na mão, pedindo colo, falando com a voz fina e rindo de qualquer coisa. E eu entendo. De verdade. Mas o tempo passou. E eu mudei. Por dentro e por fora. Só que, às vezes, parece que vocês ainda enxergam aquele menino - ou aquela menina - que eu fui, e não quem estou me tornando.
É
como se vocês ainda esperassem que eu obedecesse sem questionar. Que eu
sorrisse pra tudo. Que eu fosse sempre doce, sempre previsível, sempre
tranquilo. Mas agora eu tenho opiniões, vontades próprias, dias em que quero
ficar no meu canto. Às vezes eu me irrito com pouco. Noutras, fico sensível sem
saber por quê. Tem dias em que eu mesmo não me reconheço. E o mais difícil é
quando vocês também não me reconhecem - e, em vez de tentar entender, só
brigam.
Quando
eu reclamo, vocês dizem que estou respondendo. Quando questiono, vocês dizem
que estou desrespeitando. Quando me isolo, acham que estou de “manha”. Parece
que tudo o que eu faço é errado, só porque não faço mais do jeito que fazia
antes. Mas será que vocês não percebem que isso faz parte do meu crescimento?
Eu
preciso ser visto como sou agora. Com as dúvidas, as confusões, os altos e
baixos. Preciso de espaço pra errar, pra testar, pra pensar diferente de vocês.
E, principalmente, preciso que parem de comparar com “quando eu era criança”.
Eu não sou mais aquela criança. E, mesmo que às vezes sinta falta da segurança
de antes, eu estou tentando me tornar quem eu sou.
É
difícil crescer. Machuca. Dói quando a gente se sente estranho no próprio
corpo. Quando parece que ninguém entende. Quando os amigos mudam, os
sentimentos bagunçam, e tudo vira um caos por dentro. E aí, quando chego em
casa esperando encontrar abrigo, o que recebo é bronca, julgamento ou aquele
silêncio que grita: “Você decepcionou”.
Eu
sei que mudei. Mas não virei inimigo. Não sou rebelde por prazer. Não quero
confrontar vocês o tempo todo. Só estou tentando existir com um pouco mais de
verdade, mesmo que isso doa. Às vezes, tudo o que eu preciso é que vocês
respirem fundo, me olhem com olhos novos, e digam: “a gente está aprendendo a
lidar com essa nova versão de você”.
E
se eu errar, por favor, não me reduzam ao erro. Me ajudem a entender. Me ajudem
a crescer. Não quero proteção sufocante, mas também não quero abandono
emocional. Quero presença firme, não autoritarismo. Quero escuta, não sermão.
Quero afeto, mesmo quando estiver difícil gostar de mim.
Eu
ainda sou filho de vocês. Só que agora, mais do que nunca, preciso ser tratado
como alguém que está em transição. Nem criança, nem adulto. Apenas alguém
tentando se tornar inteiro. E, se vocês conseguirem atravessar essa fase
comigo, eu juro: um dia a gente vai rir de tudo isso - juntos.
Com
afeto (e vontade de ser compreendido),
seu
filho adolescente.
ÙÙÙ
Pontos-chave
- O adolescente busca reconhecimento de
sua crescente autonomia.
- Ser tratado como criança pode gerar
frustração e resistência.
- A independência precisa vir acompanhada
de responsabilidade proporcional.
- A
confiança dos pais fortalece o senso de identidade do filho.
Convite à Reflexão
- Tenho reconhecido as capacidades e
limites que meu filho já conquistou?
- Sei equilibrar proteção com liberdade
crescente?
- Será
que, por medo, estou retardando a autonomia dele?
Sugestões de Ação
- Ofereça responsabilidades compatíveis
com a idade e maturidade.
- Dialogue sobre limites de forma clara e
negociada.
- Evite infantilizar na fala ou no
tratamento diário.
- Reconheça
publicamente as conquistas e avanços de autonomia.
Indicações
- Boyhood: Da Infância à Juventude
(Boyhood, 2014) – Crescimento e transição para a vida adulta. Disponível: Amazon
Prime Video, Google Play, Apple TV.
- Pequena Miss Sunshine (Little Miss
Sunshine, 2006) – Individualidade e amadurecimento. Disponível: Amazon Prime
Video, Google Play, Apple TV.
- Livro:
Adolescência: Do Adeus à Infância à Construção de Si (Ross Campbell, 2018)
– Entender as transições da adolescência.
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4.2 - Reflexões: Adolescente não é criança
Há um momento, quase sempre silencioso e não anunciado, em que os filhos deixam de nos olhar com o encantamento próprio da infância - e começam a nos fitar com a exigência de quem deseja ser visto de forma diferente. O brilho nos olhos que antes refletia admiração começa a dar lugar a expressões de irritação, indiferença ou resistência. E os pais, muitas vezes, se perguntam: “o que aconteceu com aquele menino doce, com aquela filha tão afetuosa?”
É
natural que essa transição doa. De um dia para o outro - ou assim parece -,
aquele ser pequeno, dependente e afável se transforma em alguém que se fecha no
quarto, responde atravessado, questiona ordens, evita demonstrações de afeto e
passa a demandar liberdade com urgência. Muitos pais vivem esse momento como
uma perda. E, de certo modo, é mesmo. É o fim de um tempo. Mas não é o fim do
amor - é o começo de uma nova forma de amar.
A
adolescência é uma travessia emocional e simbólica. E como toda travessia,
envolve rupturas. Os filhos precisam se afastar para poder se diferenciar.
Precisam deixar de ser definidos apenas pelos olhos dos pais para descobrir
como querem ser reconhecidos no mundo. Esse processo pode gerar tensão, mas não
deve ser interpretado como rejeição pessoal.
Infelizmente,
muitos pais não estavam preparados para esse afastamento. Esperavam que o
vínculo da infância fosse eterno, que os filhos continuassem obedientes,
dóceis, acessíveis. Quando se deparam com a realidade da adolescência - com sua
intensidade emocional, seus silêncios, suas explosões e sua busca por autonomia
-, reagem com dor, rigidez ou mesmo com afastamento. Passam a ver o adolescente
como “difícil”, “desafiador”, “insolente”. E a relação, antes pautada pelo
afeto, passa a ser conduzida pelo controle e pelo conflito.
Mas
é preciso compreender: um adolescente não é mais uma criança. E tratá-lo como
tal é uma forma de negar o processo vital de crescimento que está em curso.
Assim como o corpo se transforma, a mente e o coração também entram em
ebulição. O adolescente pensa diferente, sente diferente, vive uma crise de
identidade - e precisa ser acompanhado nesse processo, não impedido de vivê-lo.
É
comum que, diante dessas mudanças, pais se perguntem: “onde foi que eu errei?”.
Mas a pergunta mais útil seria: “como posso me adaptar a esse novo momento sem
perder o vínculo?”
A
adolescência não é uma ofensa. Não é desobediência por maldade. É uma exigência
da natureza do desenvolvimento humano. O jovem está em construção - e
construir-se implica, muitas vezes, destruir moldes antigos. Isso inclui a
forma como se via, como era visto, como se relacionava. E o adulto que
compreende isso com maturidade tende a se tornar uma referência mais sólida e
confiável para o adolescente.
Isso
não significa abdicar do papel orientador. Pelo contrário. Um adolescente
precisa - e muito - de orientação, de limites consistentes, de supervisão
afetiva. Mas ele precisa disso de uma forma nova. Não mais por imposição, mas
por conexão. Não mais por medo da punição, mas por respeito ao vínculo.
Pais
que conseguem manter o canal de escuta aberto mesmo nos momentos de confronto
constroem uma ponte segura entre o passado infantil e o futuro adulto do filho.
Essa ponte é feita de paciência, de silêncio respeitoso, de perguntas sem
julgamento, de presença firme que não se assusta com o caos.
Quando
o adolescente disser “vocês não me entendem”, evite reagir com raiva. Em vez
disso, tente perguntar: “me ajuda a entender?”. Quando ele responder com
irritação, lembre-se de que essa irritação muitas vezes é só a superfície de
uma confusão interna muito maior. Quando ele se isolar, não o abandone.
Continue batendo à porta, mesmo que com um simples “estou aqui se precisar”.
Outra
armadilha comum é o uso da comparação com a infância: “quando você era pequeno,
era tão carinhoso”, “antes você me escutava, agora só rebate”. Esses comentários,
embora saudosos, são vividos pelo adolescente como invalidações. Ele sente que,
para continuar sendo amado, precisaria regredir ao que já não é mais. E isso
gera culpa, vergonha, ressentimento.
Ao
invés de comparar, acolha. Diga: “sei que você está mudando, e que isso pode
ser confuso até para você. Mas quero estar aqui, mesmo sem entender tudo”. Essa
atitude, embora simples, é profundamente terapêutica. Ela legitima o movimento
de crescimento e reafirma a continuidade do amor.
Outro
ponto essencial é entender que adolescentes nem sempre verbalizam suas dores
com clareza. Muitos preferem o silêncio, a ironia, a distância. Isso não
significa que não desejam ser amados. Significa apenas que ainda não sabem como
expressar suas vulnerabilidades. Se você estiver presente, sem invadir;
disponível, sem sufocar; firme, sem agressividade - seu filho, em algum
momento, vai procurar esse colo.
A
adolescência, embora marcada por tensões, é também uma chance preciosa de
reconstruir o vínculo sob bases mais maduras. Um amor que deixa de ser protetor
para se tornar respeitoso. Uma convivência que troca a autoridade unilateral
pelo diálogo honesto. Uma confiança que não se baseia mais no medo, mas na
presença constante.
Sim,
haverá momentos difíceis. Haverá gritos, portas batidas, lágrimas. Mas haverá
também reconciliações, silêncios compartilhados, abraços inesperados. Se você
conseguir atravessar esse tempo com o coração aberto, descobrirá que o amor
pode se transformar - e, ao se transformar, pode se aprofundar.
Seu
filho adolescente ainda é seu filho. Mas está aprendendo a ser ele mesmo. E
você, como adulto, está sendo convidado a amadurecer também - não para
controlar, mas para acompanhar. Não para impedir o voo, mas para garantir que,
quando ele voar, saiba que sempre poderá voltar para um ninho onde foi
respeitado em sua travessia.
Porque,
no fundo, todo adolescente precisa disso: ser visto, mesmo quando muda; ser
amado, mesmo quando erra; ser respeitado, mesmo quando ainda está em
construção. E todo pai e toda mãe têm essa chance: a de continuar sendo casa -
mesmo que a porta, às vezes, esteja entreaberta.
ÙÙÙ
Pontos-chave
- A adolescência é uma fase de transição,
não de ruptura total.
- Respeitar o processo de amadurecimento
evita conflitos desnecessários.
- O
diálogo ajuda a ajustar expectativas de ambos os lados.
Convite
à Reflexão
- Sei reconhecer quando meu filho está
pronto para decidir por si mesmo?
- Como lido com o medo de vê-lo errar?
- Tenho
clareza de que errar faz parte do crescimento?
Sugestões de Ação
- Construa juntos um “mapa” de
responsabilidades e liberdades.
- Ajuste gradualmente o grau de supervisão
conforme a maturidade demonstrada.
- Mostre confiança, mas esteja disponível
para aconselhar quando solicitado.
- Celebre
avanços, mesmo que pequenos, rumo à independência.
Indicações
- Juno (2007) – Maturidade precoce e
escolhas difíceis. Disponível:
Amazon Prime Video, Google Play, Apple TV.
- O Começo da Vida (2016) –
Desenvolvimento humano e transição da infância. Disponível: Netflix, Amazon
Prime Video.
- Livro: A Adolescência e o Sentido da Vida (Viktor Frankl, 2019) – Enfrentando mudanças e encontrando propósito.
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💌 A carta de um filho adolescente, revelando sentimentos, medos, desejos e conflitos.
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🗝️ A reflexão do psicólogo, que acolhe, interpreta e aponta caminhos possíveis para fortalecer vínculos familiares.
É uma leitura para famílias, educadores e todos que convivem com adolescentes, trazendo clareza sobre os desafios do crescimento e esperança sobre a possibilidade de diálogo amoroso.
Paulo C. T. Ribeiro
• Psicoterapeuta de adolescentes, adultos, casais e gestantes – Presencial e Online.
• Psicólogo Orientador Parental
• Psicólogo clínico de linha humanista existencial e de orientação das Psicologias Analítica (Carl Jung), Relacional e Budista.
• Escritor.
• Contatos: www.psipaulocesar.psc.br
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