PROCRASTINAÇÃO: QUANDO ADIAR SE TORNA UM PESO SILENCIOSO

Adiar o que se precisa fazer é algo que, em algum grau, todos já experimentamos. Quem nunca deixou uma tarefa importante para depois, mesmo sabendo que aquilo traria mais desconforto do que alívio?

O curioso é que, apesar de parecer inofensiva, a procrastinação raramente é apenas uma questão de organização ou disciplina. Ela tem raízes mais profundas, afetivas e subjetivas, e pode se tornar um peso silencioso que corrói por dentro.

É comum associar o ato de procrastinar à preguiça ou falta de força de vontade. Mas, na verdade, a procrastinação frequentemente funciona como um mecanismo de defesa: ela nos protege, de forma disfarçada, de algo que nos gera ansiedade, frustração ou medo. Muitas vezes, o que está em jogo não é a tarefa em si, mas o que ela simboliza emocionalmente. Por trás da hesitação, pode haver o medo de fracassar, o receio de ser julgado, a sensação de não estar à altura, ou até mesmo uma forma inconsciente de rebeldia diante de exigências externas. Outras vezes, há uma sensação de vazio e desconexão — como se aquilo que se está adiando simplesmente não fizesse sentido algum.

Procrastinar, então, não é um ato de desleixo, mas de conflito interno. E ele se expressa em pequenos gestos cotidianos: uma gaveta organizada em vez de um relatório iniciado, uma maratona de vídeos no lugar de um compromisso enfrentado, uma sequência de desculpas mentais que, no fundo, só revelam o quanto a pessoa está em sofrimento. Quando isso se torna hábito, o impacto emocional é devastador.

A procrastinação constante alimenta a culpa, fragiliza a autoestima, gera ansiedade e enfraquece a confiança em si mesmo. A pessoa passa a duvidar da própria capacidade de realizar, de sustentar compromissos, de se mover na direção do que deseja — e, com o tempo, começa a se identificar com esse sentimento de incapacidade.

O ciclo é cruel: quanto mais se adia, maior a tensão, maior a autocrítica, maior o mal-estar. E quanto mais intensa essa espiral, mais difícil se torna romper com ela. O tempo parece escapar entre os dedos e, junto dele, escapa também a sensação de autonomia, de autoria sobre a própria vida.

Do ponto de vista psicológico, a procrastinação revela muito sobre a relação que cada um tem com o erro, com o julgamento, com a imagem que deseja manter diante de si mesmo e dos outros. Muitas pessoas que procrastinam excessivamente são, na verdade, muito exigentes consigo mesmas. Têm padrões de perfeição tão altos que não conseguem sequer começar uma tarefa, pois sabem que dificilmente ela sairá como idealizaram. Outras carregam feridas antigas — críticas parentais, fracassos escolares, comparações dolorosas — que as fizeram acreditar que é melhor não tentar do que tentar e não conseguir.

Por isso, a superação da procrastinação não passa apenas por técnicas de produtividade ou agendas bem planejadas. Essas ferramentas podem ser úteis, claro, mas sozinhas não alcançam o cerne da questão.

O processo mais profundo envolve acolher as emoções que estão por trás do adiamento. É necessário reconhecer o medo de errar, de decepcionar, de não ser aceito. É preciso confrontar a vergonha, abrir espaço para a vulnerabilidade, trabalhar a autocompaixão. E, acima de tudo, é importante resgatar o valor da ação imperfeita: começar, mesmo com dúvidas; fazer, mesmo sem inspiração; caminhar, mesmo que devagar.

Há um ponto de virada no tratamento da procrastinação que começa quando o sujeito compreende que não precisa esperar motivação para agir. A motivação, muitas vezes, nasce da ação — e não o contrário. Um pequeno movimento já é suficiente para interromper o ciclo, quebrar a rigidez da espera, reconectar-se com o presente. Nesse processo, o papel da psicoterapia é fundamental. Um espaço terapêutico acolhedor e livre de julgamentos permite que a pessoa compreenda seus bloqueios sem culpa, reformule suas crenças limitantes, reconheça seus potenciais adormecidos e se reencontre com sua própria capacidade de escolha.

Procrastinar é humano. Mas viver em constante adiamento é uma forma silenciosa de se abandonar. E ninguém merece viver assim. O tempo não para — mas nós podemos parar por um instante, olhar com mais cuidado para o que temos evitado, e dar um primeiro passo. Talvez ele não leve imediatamente ao destino final, mas certamente nos afasta da inércia. E isso já é uma forma de libertação.

Se esse texto lhe tocou, talvez esteja na hora de se olhar com mais carinho. A procrastinação, quando acolhida com consciência, pode se tornar uma oportunidade de reencontro com o sentido da ação e com o valor de ser quem se é — mesmo imperfeito, mesmo inseguro, mesmo em processo.

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Um abraço,

Psicólogo Paulo Cesar T. Ribeiro

  • Psicoterapeuta de adolescentes, adultos, casais e gestantes – Presencial e Online.
  • Psicólogo Orientador Parental
  • Psicólogo clínico de linha humanista existencial e de orientação das Psicologias Analítica (Carl Jung), Relacional e Budista.
  • Extensão e Certificação em Filosofia & Meditação (PUCRS), Certificação em Racismo e Psicanálise (Achille Mbembe), Pós-graduações em Sexualidade Humana, Autismo (Famart) e Psicologia Clínica (PUCRS).
  • Associado à ABRAP, SBRA e ABRA.
  • Colaborador do HSPMAIS – Saúde Suplementar e de Apoio à Pesquisa Clínica (Serviço de Reprodução Humana da Escola Paulista de Medicina).
  • Palestrante sobre temas ligados ao comportamento humano no ambiente social e empresarial.
  • Contatos: www.psipaulocesar.psc.br