"Transparência não é mostrar tudo o que somos, mas permitir que a luz atravesse o suficiente para que possamos respirar fora das nossas próprias sombras."
Viver
sem se mostrar por inteiro é como habitar atrás de um vidro fumê: os outros
percebem sua presença, ouvem sua voz, acompanham seus movimentos, mas não têm
acesso ao que acontece dentro de você. Essa barreira, invisível mas eficaz,
raramente é fruto do acaso. Pode ter surgido numa infância em que falar de si
significava abrir-se ao julgamento ou ao ridículo; pode ter sido reforçada por
relações em que a vulnerabilidade foi punida com abandono ou traição; ou
aprendida em famílias que viam a expressão emocional como fraqueza,
incentivando, direta ou indiretamente, a contenção.
Nessas
circunstâncias, esconder-se não é um vício, mas um recurso. Serve para proteger
a imagem, evitar conflitos e impedir que outros toquem em feridas antigas. Essa
reserva pode trazer até uma sensação de poder: decidir o que o outro sabe, o
que permanece segredo e qual distância se mantém nas relações. O problema é
que, quando essa proteção se torna permanente, ela cobra um preço alto. O vidro
que protege também isola: impede a entrada da luz, empobrece a troca afetiva e
fragiliza os vínculos. Relações profundas dependem de entrega; sem ela, a vida
relacional se mantém na superfície e não sustenta nos momentos de crise. Surge
então uma solidão paradoxal: estar acompanhado e, ao mesmo tempo, permanecer
invisível.
Superar
a opacidade exige muito mais que uma decisão racional. É um processo que começa
com a disposição para olhar para si mesmo sem disfarces, identificando quando e
como as barreiras se formaram. Esse mapeamento não serve para culpar o passado,
mas para compreender que a proteção de ontem pode ser a prisão de hoje. O passo
seguinte é aprender a dosar a abertura. Transparência não é exposição
indiscriminada; é revelar partes verdadeiras de si, com consciência sobre o
contexto e sobre as pessoas envolvidas. Esse discernimento impede que o ato de
se mostrar gere novas feridas.
Também
é preciso desenvolver tolerância à vulnerabilidade. Mostrar-se significa
aceitar que o outro pode não reagir como gostaríamos. Essa tolerância nasce
quando entendemos que uma reação negativa não define nosso valor. Aqui, a
paciência é indispensável: o hábito de se proteger levou anos para se
consolidar, e abandoná-lo exige tempo, pequenas experiências de sucesso e
repetição.
Praticar
a escuta e a reciprocidade é igualmente essencial. Quanto mais genuinamente
ouvimos e acolhemos os outros, mais natural se torna oferecer o mesmo de nós.
Relações transparentes são sempre uma via de mão dupla: a abertura de um
estimula a abertura do outro.
Acontece
que romper o padrão implica também abrir mão de hábitos e crenças que sustentam
a armadura, tais como a ilusão de controle absoluto sobre como os outros nos
percebem, o medo constante de julgamento, que transforma qualquer interação em
ameaça, o perfeccionismo relacional, que exige respostas ideais antes de se
abrir e a c crença de que a proteção emocional precisa ser total, quando, na
verdade, ela pode ser flexível e seletiva.
A
mudança costuma começar em espaços protegidos. Pode ser com alguém que já tenha
demonstrado cuidado genuíno ou, de forma estruturada, no contexto da
psicoterapia. A relação terapêutica oferece um território seguro para
experimentar novas formas de se mostrar, receber validação e aprender a
sustentar a vulnerabilidade. Aos poucos, a barreira perde densidade e o que
antes era medo se converte em liberdade.
Ser transparente exige coragem porque implica
abrir mão da armadura que, por anos, foi sinônimo de segurança. É aceitar que a
vulnerabilidade não enfraquece — ela humaniza. Ao assumir esse risco,
descobre-se que a autenticidade é mais sólida do que qualquer defesa. No fim, a
transparência não é apenas permitir que o outro nos veja; é, sobretudo, a
chance de nos enxergarmos por inteiro. E, quando isso acontece, algo dentro de
nós finalmente respira.
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Um abraço,
Psicólogo Paulo Cesar T. Ribeiro
- Psicoterapeuta de adolescentes, adultos, casais e gestantes – Presencial e Online.
- Psicólogo Orientador Parental
- Psicólogo clínico de linha humanista existencial e de orientação das Psicologias Analítica (Carl Jung), Relacional e Budista.