Cap. 05: Projeção Psicológica: Sombras Reveladas
“Para sobreviver à dor psíquica, o self cria
divisões e projeta a parte intolerável fora de si. Mas isso cobra um preço nas
relações”, Donald Kalsched.
Projeções podem ser positivas ou negativas, mas é
nas negativas que geralmente se encontra o sofrimento mais
mais agudo. A crítica intensa, a irritação
desproporcional ou o desprezo que sentimos por certas atitudes alheias muitas
vezes revelam os comportamentos ou características que não conseguimos ver e
aceitar em nós mesmos. É como se o outro se tornasse um espelho - um espelho
que rejeitamos porque reflete o que negamos ver e ser.
A projeção é um processo que envolve deslocar os
sentimentos de uma pessoa para outra, seja ela um ser humano, um animal ou um
objeto. Este termo é frequentemente utilizado para descrever uma projeção
defensiva, que se refere à atribuição de impulsos inaceitáveis de uma pessoa e outra. Por exemplo, quando uma
pessoa intimida e ridiculariza constantemente um colega por suas inseguranças, é possível que o
agressor esteja refletindo suas próprias dificuldades com a autoestima na outra
pessoa.
Embora os autores clássicos tenham descrito suas
raízes, é no cotidiano das relações que a projeção mostra seu impacto mais
contundente. Freud apresentou a projeção pela primeira vez ao descrever uma
paciente que, ao enfrentar sua vergonha, buscava escapar dessa realidade ao
imaginar que seus vizinhos estavam falando dela. Carl Jung e Marie-Louise
von Franz, em suas reflexões, sugeriram que a projeção pode servir como um
mecanismo de defesa contra o medo do desconhecido, embora isso possa, em algumas
situações, prejudicar quem a utiliza. Compreende-se, igualmente, que as pessoas
tendem a projetar em situações que não compreendem como uma resposta natural ao
desejo de uma vida mais previsível e claramente organizada. O que acontece é
que, por meio desse mecanismo, um pensamento é suprimido e substituído por
outro, que se torna um filtro constantemente acessível, através do qual se
percebe o mundo.
Esse fenômeno, longe de ser patológico em si, é
parte da dinâmica psíquica normal. Todos nós, em algum grau, projetamos. O
problema surge quando essa projeção se torna persistente, rígida e interfere
nas relações interpessoais. Pais que acusam os filhos de “rebeldes” por
expressarem autonomia podem estar projetando a própria dificuldade de lidar com
a perda de controle. Parceiros que veem deslealdade em todos os gestos do outro
podem estar inconscientemente lidando com sua própria insegurança ou desejo não
reconhecido.
Um homem casado que se sente atraído por uma colega
de trabalho pode, em vez de considerar essa atração, projetar seus sentimentos
ao acusá-la de flertar com ela. Esse é o caso de uma possível projeção, assim
como uma mulher que enfrenta uma batalha interna contra o impulso de roubar, e
que acredita que seus vizinhos estão tentando invadir seu lar. Um outro exemplo
é o de alguém que expressa que outra pessoa está constantemente monitorando seu
comportamento, escondendo o medo de alguma insegurança ou segredo íntimo que
possa vir à tona.
Em contextos de intimidade emocional, a projeção se intensifica. Quanto mais próximo alguém está, mais facilmente se torna alvo de conteúdos internos mal resolvidos. Na relação terapêutica, esse processo pode aparecer de forma intensa, revelando-se nos afetos transferenciais. Um paciente, por exemplo, pode acusar o terapeuta de “distante e frio”, quando, na verdade, está lutando com a própria dificuldade de confiar e se abrir. Outro, ao sentir-se ignorado em pequenas interrupções, pode estar projetando o sentimento de invisibilidade vivido na infância.
A projeção tem também uma função de defesa. Ela nos
permite manter uma imagem idealizada de nós mesmos. Ao atribuir ao outro o que
nos desagrada, preservamos uma autoimagem coerente com as exigências do
superego ou com o ideal de ego. No entanto, isso tem um custo: perdemos a
oportunidade de conhecer partes importantes de quem somos, e comprometemos a
autenticidade dos vínculos que estabelecemos.
Uma metáfora útil para entender a projeção é a das
sombras em uma sala mal iluminada. O que está atrás de nós, e, portanto, fora
do nosso campo de visão, projeta uma sombra à frente. Vemos essa sombra no
outro, mas ela nos pertence. O que incomoda demais, o que provoca reações
intensas e imediatas, quase sempre diz mais sobre nossa história emocional do
que sobre o comportamento real do outro. A projeção revela mais sobre o emissor
do que sobre o receptor.
Na clínica, um exemplo marcante foi o de uma
paciente que acusava o marido de ser “sempre crítico e controlador”. Ao
longo do processo terapêutico, veio à tona sua própria rigidez consigo mesma.
Crescida em um ambiente em que errar era inaceitável, ela internalizou um
padrão de autocrítica feroz. O incômodo com o marido estava, em parte,
vinculado à forma como ela mesma se tratava internamente. Ele tornou-se o palco
externo onde suas dores silenciosas se projetavam.
A projeção também é comum em dinâmicas familiares.
Filhos podem ser alvo das expectativas não realizadas dos pais. Irmãos são
comparados, cônjuges acusados de serem o que, no fundo, teme-se ser. Nessas
situações, os vínculos se tornam distorcidos, pois o outro deixa de ser visto
como é, e passa a ser moldado por lentes subjetivas.
Uma consequência prejudicial da projeção constante
é quando essa característica se torna parte da identidade do indivíduo. Um pai
que não alcançou uma carreira de sucesso pode transmitir ao filho mensagens
como: “você não vai conseguir nada” ou “nem se dê ao trabalho de
tentar”. Observe que o pai está transferindo suas próprias inseguranças
para o filho; um desafio surge quando o filho internaliza essa mensagem e
começa a acreditar que realmente nunca será bem-sucedido.
Do ponto de vista do autoconhecimento, reconhecer
nossas projeções é um passo fundamental. Quando somos capazes de perceber que
aquele traço que tanto nos incomoda no outro também habita em nós - ainda que
de forma diferente -, abrimos espaço para uma relação mais honesta conosco e
com os demais. A psicoterapia é o espaço privilegiado para essa descoberta,
pois oferece um espelho simbólico que reflete sem julgar e acolhe sem reforçar
o engano.
No dia a dia, como identificar se você está
projetando suas emoções ou experiências nos outros? Após aprender que seus
temores ou inseguranças são acionados e acarretar projeções, ao suspeitar que
pode estar projetando, o primeiro passo é distanciar-se do conflito. A
distância proporcionará a oportunidade de deixar suas defesas desaparecerem,
permitindo que você reflita de maneira mais clara e racional sobre a situação.
A partir desse ponto, você pode (1) descrever o conflito de maneira
objetiva, (2) relatar as ações que você praticou e as suposições que
formulou, e, por fim, (3) descrever as ações da outra pessoa e as
suposições que ela fez. Isso pode ser uma oportunidade para você investigar se
e para que pode estar projetando.
O trabalho terapêutico com a projeção exige
cuidado. Confrontar diretamente o paciente pode gerar resistência ou
retraimento. O terapeuta precisa, com empatia e escuta, ajudar o paciente a
enxergar o vínculo entre sua história emocional e os conflitos atuais. Pequenas
perguntas reflexivas como “Você já sentiu algo parecido antes?”, “Que parte
dessa reação lhe parece familiar?”, ou “Será que essa leitura pode estar
influenciada por algo antigo?” são chaves que abrem janelas para o
inconsciente.
A
psicoterapia pode ajudar o paciente a identificar conteúdos projetados em
relações recorrentes, reintegrar aspectos rejeitados da própria personalidade,
além de reduzir o julgamento impulsivo e desenvolver escuta empática. Como
consequência, o paciente conseguirá aumentar a consciência sobre padrões
emocionais herdados e reestabelecer vínculos mais autênticos, baseados na
realidade e não na fantasia.
Um abraço,
Paulo Cesar T. Ribeiro
- Psicoterapeuta de adolescentes, adultos, casais e gestantes – Presencial e Online.
- Psicólogo Orientador Parental
- Psicólogo clínico de linha humanista existencial e de orientação das Psicologias Analítica (Carl Jung), Relacional e Budista.
- Escritor.
- Contatos: www.psipaulocesar.psc.br
https://www.blogdopsicologo.com.br/2025/11/vitrine-dos-meus-livros.html


Nenhum comentário:
Postar um comentário